quarta-feira, 16 de junho de 2010

Valor da Opinião

Por Beatrice Gonçalves - Revista Empreendedor

Em lojas que operam pelo conceito de tryvertising, o consumidor leva o produto para casa de graça em troca de participação em pesquisa

Entrar em uma loja, escolher qualquer produto, levar para casa, testar e no final não precisar pagar nada por isso. A ideia parece ser até um sonho consumista, mas não é. Pela estratégia de marketing conhecida como tryvertising (junção do verbo try, que significa “experimentar” em inglês, com advertising, que pode ser traduzido como “propaganda”) o consumidor pode testar os produtos e, em troca, precisa dar apenas a sua opinião para o fabricante. A proposta de uma loja “grátis” não é nova: foi desenvolvida no Japão em 2007 e é considerada uma prática comum nos Estados Unidos, Espanha e China. A novidade é que o conceito chega agora ao Brasil.

Em maio foi inaugurada a loja Clube Amostra Grátis em São Paulo, considerada a primeira no País com o conceito de tryvertising. A unidade oferece cerca de 80 produtos de diferentes marcas que vão desde alimentos, artigos de higiene pessoal e moda até eletroeletrônicos para serem testados e experimentados de graça. A novidade atraiu muitos consumidores. Na semana de abertura da unidade, mais de 7 mil pessoas se inscreveram no site da empresa para participar do Clube, pagaram uma anuidade de R$ 50, ganharam uma carteirinha com acesso livre à loja e o direito de retirar até cinco produtos diferentes por mês para testá-los.

Quando o cliente escolhe o produto na loja, passa no caixa e ao invés de uma conta a pagar ele recebe um questionário. São perguntas elaboradas pelo próprio fabricante para que a marca tenha um feedback do cliente que usa o produto. Como a proposta da loja é levar aos fabricantes a opinião dos consumidores, a participação dos associados no Clube está condicionada à entrega dos questionários de retorno. Para mobilizar seus associados, a loja garante uma série de vantagens adicionais para os consumidores que responderem à pesquisa antes do tempo estipulado. “Nós temos sentido que muitas pessoas querem responder logo ao questionário. A gente encoraja isso também porque esse é o momento em que a experiência está mais fresca na memória”, explica Denis Shimada, sócio do Clube Amostra Grátis. A partir do material entregue pelos usuários, a rede faz um relatório quantitativo que é encaminhado ao fabricante.

Shimada conta que quando ele e o sócio foram apresentar o tryvertising para empresas, muitas delas desconheciam a estratégia, mas na medida em que foram entendendo a proposta, foram aderindo. “Nós temos um mix bem variado de empresas que são nossas clientes. Tem desde grandes corporações como Nestlé, Motorola e Nextel que querem saber a receptividade de algum lançamento, até pequenas empresas que antes não tinham espaço ou verba para fazer um tipo de divulgação como essa.”

Para uma empresa expor seus produtos no Clube Amostra Grátis, o custo médio é de R$ 8 mil. Nesse pacote, o fabricante pode disponibilizar até um lote do produto e tem direito a elaborar cinco perguntas no questionário, que é encaminhado para os consumidores. Um valor que, segundo Shimada, é baixo. Ele compara que enquanto uma empresa gasta R$ 8 mil para fazer uma pesquisa de mercado pela estratégia de tryvertising, se ela resolvesse fazer o mesmo estudo nos modelos tradicionais poderia gastar até R$ 60 mil.

Além de custos mais baixos, o empresário considera que com o sistema do Clube Amostra Grátis as empresas têm a oportunidade de conquistar novos clientes. “O fato dos nossos associados poderem escolher os produtos que vão retirar da loja já demonstra um certo interesse deles pelo produto. Nada aqui é empurrado para os consumidores. Nesse caso, quando há o fator escolha, você está identificando naquele momento um potencial consumidor.” Com o sucesso da primeira unidade, a rede já se prepara para abrir uma loja em Curitiba até o início do segundo semestre.

Para Renato Telles, especialista em mar­keting e professor da FIA/USP, a participação do consumidor no tryvertising vai além de só responder a um questionário. Ele considera que as empresas devem prestar atenção também no perfil dos usuários que escolheram testar o produto. “Esses experimentadores são também multiplicadores da marca e, nesse sentido, formadores de opinião. Portanto, mais que um feedback sobre a oferta, os experimentadores devem se tornar uma plataforma importante de comunicação do produto.”

Baixo custo

Telles considera que o tryvertising é uma tendência mundial que traz conceitos inovadores para a prática de experimentação de produtos. Para o especialista, a estratégia tem se tornado muito importante porque é uma alternativa barata diante da impossibilidade de realização de testes de mercado tradicionais que costumam ter custos elevados. “O tryvertising é um conceito inovador que trabalha com a importância da percepção do consumidor no aperfeiçoamento de produtos e, ao mesmo tempo, estimula o crescimento do uso das redes sociais na comunicação da empresa com o consumidor final.”

O tryvertising também chega ao Brasil pelo sistema de e-commerce. O site Tryoop, criado por Milena Escabeche e Aline Marcolino, trabalha com a estratégia de tryvertising on-line opinion: o usuário cadastrado escolhe os produtos pela internet e os recebe em casa para testá-los. “Nossa proposta é que a estratégia de tryvertising tenha alcance nacional”, explica Milena. Pelo Tryoop qualquer pessoa pode se cadastrar na página e receber até cinco produtos por semana para serem testados em casa, sem que seja preciso pagar por isso. A proposta é que os produtos que entrarem no site estejam disponíveis para todos os usuários, mas Milena explica que se for intenção do fabricante é possível fazer filtros para a escolha dos experimentadores. “Para uma empresa que tenha distribuição só no Sul e no Sudeste, ela pode focar a experimentação dos produtos nesse público e escolher que apenas pessoas dessa região o experimentem”, afirma.

Para disponibilizar produtos no site da Tryoop, as empresas pagam um valor de inserção e um de distribuição dos produtos. Se o fabricante escolher distribuir 1 mil amostras no Estado de São Paulo, por exemplo, o custo médio é de R$ 8 mil. Por esse pacote, o consumidor receberá o produto em casa com um guia elaborado pela Tryoop com dicas para a experimentação. Após cinco dias, o usuário recebe um questionário com no máximo 20 perguntas. “Nossa orientação é que os fabricantes não façam questionários muito longos que possam desestimular a participação dos usuários.” Os dados são computados pela empresa e encaminhados ao fabricante.

O site da Tryoop já está no ar mas, por enquanto, ainda não entrou em operação. Até o momento, só está disponível a ferramenta de cadastro de novos consumidores. Mesmo não tendo iniciado ainda o processo de tryvertising, a Tryoop já tem anunciantes. Entre seus clientes estão duas empresas do ramo de cosméticos, três de bebidas e alimentos e uma grande rede de varejo. Milena explica que qualquer produto pode ser testado no site mas que, por enquanto, a maior parte das marcas tem dado preferência para realizar testes com produtos que custem até R$ 100. “Já fechamos contratos com empresas de diferentes portes, porém é possível perceber um traço comum entre elas. São empresas que estão sempre procurando inovar.”

Para Cláudio Tomanini, especialista em marketing e vendas no Brasil, as empresas que querem conquistar mercado ou se manter nele hoje precisam adotar práticas de estimular a experiência dos consumidores como a proposta pelo tryvertising. Porque cada vez mais aumenta o número de concorrentes que disputam uma mesma parcela de consumidores, e a tendência é que eles não queiram arriscar e comprar produtos novos que não conheçam. “Da década de 1980 até o início dos anos 1990, a demanda por produtos no País era reprimida e existiam poucos competidores, por isso muitos fornecedores estavam preocupados apenas em vender. Hoje as empresas que querem ser líderes precisam estimular a experimentação de seus produtos.”

O especialista não considera o tryvertising uma estratégia nova. “Toda empresa que quer conquistar mercado já faz isso com outro nome. O vinho, por exemplo, é um produto que foi aculturado no País a partir de encontros promovidos por vinícolas onde os consumidores eram convidados para degustar a bebida.” Ele considera que as lojas de tryvertising devem trabalhar para conquistar formadores de opinião e não só atrair um público de experimentadores que estejam interessados nos produtos apenas porque são distribuídos de graça. Ele questiona também o método do tryvertising. “Eu gostaria de saber se esses fornecedores estão preparados para receber feedbacks negativos de consumidores e como eles vão trabalhar com isso para aperfeiçoar os produtos.”


Clube Amostra Grátis: http://www.clubeamostragratis.com.br/
Tryoop: http://www.tryoop.com.br/

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